Na semana passada, poucas horas depois que publiquei o texto “Como perdoar alguém que não muda (e que não vai mudar)?”, a Aline* (nome fictício) me escreveu em busca de ajuda. O assunto do e-mail: “eu só penso em me vingar”; a história (que compartilho com a autorização dela):
“Heloísa, há seis meses, peguei meu marido no flagra com outra mulher e fiquei muito, muito chateada. Na verdade, o que eu senti foi muita raiva! Eu queria matá-lo por trair a minha confiança. Mas, daí nós conversamos, ele me jurou que não tinha sido nada sério e que nunca mais me magoaria dessa forma. Pediu outra chance e eu aceitei… O problema é que, agora, só consigo pensar em dar o troco na mesma moeda. Fico com a impressão de que, se eu também o trair, vamos ficar quites”.
Bem, em primeiro lugar, eu confesso que fiquei bem preocupada quando terminei de ler o e-mail. Embora seja uma expressão comum, é sempre bom ligar o sinal de alerta quando alguém manifesta, mesmo que “por brincadeira”, o desejo de tirar a vida do parceiro ou da parceira. Os chamados crimes passionais (que de paixão não têm nada) e os recorrentes casos de feminicídio no Brasil e no mundo são, aliás, outra boa razão para debatermos o assunto que trago hoje: a vingança e a autovingança. Mas, calma, que falo disso num futuro próximo.
Por ora, voltemos à Aline. O que aquela moça estava me contando, infelizmente, não era exatamente uma novidade para mim. Como ela, centenas de homens e mulheres que foram traídos pelos parceiros eventualmente concluíram: “se eu der o troco na mesma moeda, vamos ficar quites”.
Como cada caso é um caso, sempre que me vi diante dessas situações, procurei entender o que é que estava por detrás desse desejo tão voraz de se vingar:
O que é que você acha que vai acontecer quando der o troco?
O que e como você acredita que vai se sentir ao devolver a traição?
Como você imagina que essa vingança vai repercutir na sua vida e na sua relação?
Aliás, você planeja contar para o seu parceiro(a) que o(a) traiu? Ou vai guardar somente para si?
Ouvi muitas e muitas e MUITAS respostas para essas perguntas. Mas quase todas revelavam um desejo comum e inconsciente: o de fazer com o que o outro sentisse, na própria pele, a dor que havia causado.
A vingança nunca é plena…
Agora, quero lhe falar um pouco sobre o círculo vicioso da vingança, um dos nossos piores e mais difíceis hábitos. Para isso, sem muito esforço, peço que tente se recordar rapidamente de uma pessoa que, na sua opinião, cometeu uma falha grave e imperdoável… Pensou?
O que foi que essa pessoa fez?
Ela mexeu com você? Prejudicou alguém que você ama?
Agiu de uma maneira que contraria suas crenças e valores?
Quais foram exatamente os gestos dessa pessoa – e, agora que você se lembrou destes gestos, como é que isso tudo lhe faz sentir?
Se sua resposta foi RAIVA, ótimo! Sinal de que estamos na mesma página e de que você está prestes a entender o meu ponto.
Veja: mesmo que você não queira ou não goste de admitir, muito provavelmente, a primeira coisa que essa pessoa “horrível e maldosa” lhe causou foi dor, não raiva. A raiva veio como consequência da sua dor.
Dito isso, é hora então de refletir: qual foi a dor que essa pessoa lhe causou?
Os gestos dela fizeram com que você se sentisse impotente?
Incompetente?
Ignorante?
Diminuído(a)?
Humilhado(a)?
Não visto(a)?
Não reconhecido(a)?
Não amado(a)?
Eu sei… É muitooooo ruim se sentir de qualquer uma dessas maneiras listadas acima! Aliás, a verdade é que é tão, mas tão ruim, que, muitas vezes, nosso consciente tenta nos proteger disso tudo. Sabe como? Em vez de reconhecer a dor, nossa cabeça só nos deixa reconhecer e vivenciar a raiva. E quando estamos com raiva, sabe o que fazemos? Nutrimos uma vontade impulsiva, quase incontrolável de devolver o mal que nos foi causado: “ele(a) vai ter de pagar por isso”.
Você, o outro e a pedra da justiça
Sempre que explico o círculo vicioso da vingança, uso uma mesma metáfora: se eu recebo um tapa, devolverei dois tapas como troco. O primeiro será para vingar a minha dor; o segundo, para vingar a injustiça que sofri. Sim, porque, afinal, não há nada mais injusto do que o tapa que recebi (e eu tenho certeza que não fiz nada para merecê-lo!).
Isso é o que acontece com TODOS nós quando somos expostos a uma dor que nos causa raiva e que nos leva à vingança. Entramos em contato com uma noção infantil e muito, muito inconsciente de justiça, em que certamente somos as vítimas do que aconteceu (e, portanto, estamos isentos de qualquer responsabilidade).
E o pior: de cima dessa pedra da justiça, todos os acontecimentos só podem ser vistos, assimilados, entendidos e avaliados sob a nossa própria ótica. Ou seja, se algo não é justo, o outro nem sequer tem direito a se explicar; a condenação já foi lançada e, agora, ele terá de pagar. E sabe como é que você castiga e pune o outro pelo ‘crime’ que cometeu?
Bem, você age para que ele se sinta:
Impotente;
Incompetente;
Ignorante;
Diminuído(a);
Humilhado(a);
Não visto(a);
Não reconhecido(a) e
Não amado(a).
Já viu esse filme???
É… Como você deve ter percebido, nesta relação (seja qual for sua natureza), ficará difícil saber quem deu o primeiro passo para “castigar” o outro. Por outro lado, uma coisa é certa: alguém terá de ser capaz de encerrar o círculo vicioso da vingança se quiser torná-la mais saudável, amorosa, harmoniosa e, por fim, longeva.
Vítima de si mesmo(a)
Depois de trocarmos alguns e-mails, conversei ao telefone com a Aline. Diante de sua aflição, quis entender melhor o que estava se passando para poder ajudá-la. A verdade é que ela estava, como se diz, cega de raiva. Tão cega que não conseguia admitir nem para si mesma a verdadeira razão de seu rancor: tinha sido pega de surpresa pela traição de seu marido.
Em outras palavras, nunca tinha nem sequer pensado na possibilidade e, por isso, o acontecimento imediatamente fez com que acreditasse: “ele não me ama e nunca me amou”. Ao mesmo tempo, só conseguia pensar: “EU, sim, o amo e sempre o amei”.
Aline não queria estar com outra pessoa que não o marido. Mas, porque era vítima de uma traição, queria dar o troco na mesma moeda. Pensava sobre infidelidade de maneira obcecada, tanto a cometida pelo parceiro, como a que pretendia (talvez) cometer. Rememorava os passos dele, imaginava como, quando e onde, e projetava se teria ou não capacidade de fazer o mesmo. Em ambos os casos, imediatamente, sentia-se sozinha, triste, ‘acabada e a pior pessoa do mundo’, como descreveu para mim. Estava comprometida com a vingança e com a autovingança.
Veja: se, na vingança, eu me comprometo a devolver ao outro o mal que me foi causado; já na autovingança, eu me uso como “ferramenta” nesse processo de vingança. Isso significa que adoto comportamentos inconscientes “apenas” para fazer com que o outro sinta culpa e nunca mais tenha paz, “apenas” para tentar causar a mesma dor que senti, “apenas” para garantir que ele pagará pelo que me fez. Mas, como é tudo inconsciente, ignoro o fato de que, bem… Eu não tenho como garantir o que o outro vai sentir!
Então, aqui estou eu, destruindo a mim mesma; garantindo minha infelicidade; boicotando todos os meus relacionamentos; tudo porque, sem perceber, quero me certificar de que aquela pessoa, aquela mesma que me causou tanta dor, não saia do meu radar. Eu não posso esquecer o que ela me fez e nem perdoá-la: este é o único caminho para que pague pelos erros que cometeu.
Mas, se eu não controlo e não sei como ela se sente verdadeiramente, a única coisa que posso de fato saber é que… Quem paga a conta sou eu mesma! Eu sou a vítima da minha autovingança.
Diante dessa percepção, Aline chorou. Compreendeu que tinha muito ainda a trabalhar em si mesma, primeiramente, para lidar positivamente com o que havia lhe acontecido e, só depois, decidir honestamente o que desejava fazer.
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